sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Psicose: Segundo Capítulo - Muito Prazer.

Era um fim de tarde silencioso, muito além do normal na verdade. Provavelmente, porque todos ali ainda se encontravam sobre o efeito da briga da tarde anterior. Na verdade, tudo se originou a partir de uma tola discussão entre Caroline e Erik que acabou ficando pior do que se esperava... 

“– Estou pedindo que, por favor, se retire daí. – disse Erik em tom neutro e educado, que contradizia totalmente sua expressão facial que se encontrava totalmente distorcida, talvez por uma dor dilacerante ou por um ódio corrosivo.
- Só pode tá de brincadeira, desculpe-me, mas este lugar não está demarcado como sendo sua propriedade privada, agora, por favor! – disse ela em seu habitual tom áspero e grosseiro, com o sorriso mais frio no rosto. – Deixe-me em paz, estou lendo, se o senhor, com sua mente atrasada, ainda não notou. – logo em seguida, afundou novamente o rosto no livro e voltou a ler, ignorando totalmente a presença do jovem, ainda parado a sua frente.
De repente, como se alguém houvesse contado a história mais hilária do mundo, Erik começou a soltar uma gargalhada sinistra e aterrorizante, que saía de seu peito e ressoava por grande parte do jardim, e interior do manicômio. Caroline, sem compreender o que estava acontecendo, por ser nova no local e achando que o rapaz queria assustá-la, ou quem sabe até mesmo chamar-lhe a atenção, continuou a ignorá-lo. Bem, na verdade, ela nem sequer levantou o olhar para ele.
Após alguns segundos, Erik parou bruscamente de gargalhar, quase como se alguém lhe tampasse a boca,  fazendo-o se calar. Naquele momento, uma rajada de vento frio soprou, fazendo com que as folhas da árvore sob a qual estavam, se agitassem, e as secas, espalhadas ao chão começassem uma coreografia quase que ensaiada, que as fazia parecer belos pássaros brindando a vida.
Neste momento, como se uma força o puxasse para baixo, Erik jogou-se ao chão gemendo e gritando. As folhas que antes pareciam lindos pássaros, que traziam algo bom, agora, se tornaram monstruosos corvos e criaturas desfiguradas, que se assemelhariam a seres cadavéricos vestidos, em sua maioria, com mantos negros e comidos por traças. Seres que nunca poderiam significar algo bom, principalmente para Erik. Agora a escuridão tomava conta de tudo, Erik estava sozinho mais uma vez, preso dentro de sua própria mente, de seu próprio pesadelo. Os seres vinham atrás dele, parecia que a porta do inferno se abrira, fazendo com que os soldados do submundo viessem à Terra cumprir com sua tarefa: levar Erik, fazê-lo pagar pelo seu erro. Sugar até sua última gota de felicidade. De sanidade.
(...)"até avistar a figura de um homem"
Os cadáveres puxavam-no pelas vestes, pelos pés, e por qualquer outra parte do corpo dele que pudessem alcançar. Erik, na tentativa de impeli-los agarrava-se a grama, cravando as unhas na terra fria e úmida, tentando, inutilmente, se manter seguro ali, e proferindo chutes na direção dos seres que lhe aterrorizavam, quase como um toque de mágica, todos os monstros e corvos desaparecem. Agora Erik está mais uma vez só, na escuridão de sua mente, ao menos é o que ele pensava até avistar a figura de um homem, ao pé da árvore onde minutos atrás se encontrava Caroline. O desconhecido está todo vestido de preto, porém com um terno que lembra muito os ternos caros e chiques, que seu pai costumava usar quando vivo. Isso faz com que ele olhe com mais atenção, e é quando se dá conta de que o homem é, na verdade, seu pai. Mas, havia algo diferente no homem que Erik via, era como se o homem que um dia ele tanto amou e respeitou, agora tivesse se fundido aos demônios que o perseguiam. Metade homem, metade monstro.
- Ora, ora, ora. Veja só quem encontramos aqui. Achou mesmo que tinha se livrado de mim, garoto estúpido? Pensou que me mataria e sairia impune? Você pode enganar todos esses tolos, que acreditam no garoto inocente e bonzinho que você finge ser, mas eu sei quem você é. E irei fazê-lo pagar pelo que fez a mim.
Erik arregalou os olhos, em estado de choque, ao ouvir as palavras saírem do homem que, além da aparência, também possuía a voz de seu pai. Lágrimas escorriam pela face do rapaz, que chorava e agonizava olhando o homem tornar-se mais monstro, e finalmente, se desfazer em pássaros negros, que voavam de volta para dentro da mente do rapaz. Por fim, a agonia e a dor de Erik tornaram-se insuportáveis, e ele acaba por desmaiar e cair ao chão. ”

Erik acordou na ala hospitalar do manicômio, uma luz fraca entrava pela janela, o que sugeria que o sol já estava se pondo. Ele sentia uma sensação de nostalgia que o fazia ter vontade de vomitar, que vinha, principalmente, pelo fato de não se lembrar de como fora parar ali. Pensou em pedir um copo d’ água, porém quando olhou para o lado, um sentimento de surpresa tomou conta dele.
- Bom dia bela adormecida. - A voz vinha de Caroline, dessa vez em tom suave e que sugeria que a bandeira de paz fora estirada. – Tá melhor?
- Bom dia, na verdade não muito, ficaria melhor se me explicasse como vim parar aqui. – Erik parecia, de certo modo, constrangido por ter de perguntar a uma completa estranha algo que ele mesmo deveria saber, mas sentia algo diferente e preferiu acreditar nela.
- Bem, nós estávamos discutindo, repentinamente, você começou a gargalhar, e na boa, não foi uma gargalhada qualquer. Alguns segundos depois, você se jogou no chão, gritando e chutando o ar, e quando finalmente parou, começou a chorar e gemer, como se estivesse sentindo a maior dor do mundo e foi quando finalmente você desmaiou. Ah, e também teve um momento em que parecia pedir perdão, ou implorar por ele, não compreendi muito o que dizia.
Foi então que Erik começou a se lembrar, sabia que fora mais uma de suas crises causadas pela esquizofrenia. Sabia que as coisas para ele não tinham sido assim. Porém, não conseguia deixar de pensar no fato de que a moça ficara lá, enquanto tudo isso acontecia.
- Espere um segundo, você está dizendo que ficou lá o tempo todo, enquanto acontecia tudo isso? Porque não saiu correndo como uma pessoa sensata faria? – ele pronunciou estas palavras com muito cuidado, e quase incrédulo, arqueando uma de suas sobrancelhas
- Bem, em primeiro lugar, se eu fosse uma pessoa sensata não estaria aqui. E em segundo lugar, não teria sido muito nobre de minha parte te abandonar lá. Eu sei, melhor que ninguém, que existem momentos em que nós precisamos ser protegidos de nossas próprias mentes.
- Então, acho que devo lhe agradecer. As pessoas por aqui não pensam exatamente assim... Como se chama, mesmo?
- Me chamo Caroline, você deve ser o Erik, ao menos foi o que os enfermeiros me disseram. Erik, o caso perdido. – a última frase foi dita em tom de zombaria, já que a moça não parecia concordar muito.
Eles passaram o resto da noite conversando. Ali mesmo, na ala hospitalar. Caroline, às vezes soava grosseira, mas com o tempo foi deixando que Erik penetrasse suas barreiras. Nada mais justo depois de vê-lo em um momento de tamanha exposição e fragilidade, como na tarde anterior. A briga acabou sendo esquecida, e Caroline passou a ver Erik, que acabara sendo esquecido por quase todos, como um rapaz gentil, educado, e surpreendentemente sentimental.  Ambos acabaram contando um pouco de suas vidas e de como foram parar ali.
Os dias foram se passando e a cada dia conviviam, e se aproximavam mais, a árvore que antes fora motivo de discussão, agora era o local em que passavam grande parte do tempo.
Desde então, toda noite, antes de dormir, aquela voz ressoava na mente de Erik, a voz de seu pai, que nos últimos dias passou a lhe atormentar mais que nunca e que agora possuía uma nova vítima...
            “- Vamos meu filho, faça sua próxima vítima, faça com ela o que fez comigo, dê àquela pobre e infeliz garota o fim tão desejado. Vamos Erik, torne-se um monstro, seja como eu. Honre a memória daquele, que um dia você tirou a vida.”

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