Erik |
Era hora de acordar; a campainha soou, sendo a única
forma rápida de acordar todos os doentes que havia ali. Aquele fora o primeiro toque, significando
que dentro de vinte e cinco minutos, o segundo toque viria a soar, este por sua
vez significava que todos já deviam ter se banhado e colocado suas respectivas
vestes. Deveriam estar apostos, esperando que um enfermeiro batesse à porta do
quarto, levando-lhe o primeiro coquetel de remédios do dia. O medo crescia
dentro de alguns, fazendo com que estes, falhamente, tentassem se esconder nos
lugares mais patéticos imaginados. Atrás da porta, embaixo da cama ou até mesmo
atrás de uma pequena banqueta, localizada à frente de uma simplória mesinha
fixada à parede, onde ficavam algumas folhas e (para alguns privilegiados)
canetas ou lápis.
Os remédios já haviam sido consumidos pelos
pacientes, portanto era hora de ir para o café da manhã, que normalmente
ocorria no deprimente refeitório do hospital psiquiátrico. Dizer que o
refeitório era deprimente, na verdade era enfeitá-lo mais do que o merecido, na
realidade era muito pior. As paredes eram cinza, encardidas, graças ao descuido
e pela falta de pintura. O piso de linóleo, em estado ainda pior que o das
paredes, ensebado e mal cheiroso, exalava um cheiro azedo a vômito, quase tão
presente quanto a cara fechada e o mau humor da cozinheira. Na verdade, seus
dons culinários não eram muito diferentes da carranca presente na face mal
humorada da velha.
Os pacientes iam descendo as escadas e se acomodando
às, mesas após pegarem suas bandejas de café da manhã, que continham um mingau
de aveia de aspecto monstruoso, um suco de sabor indecifrável e uma laranja,
que era, provavelmente, o alimento mais atrativo da bandeja. As mesas tinham
capacidade para quatro pessoas. Alguns dos pacientes sentavam-se juntos para o
desjejum, conversavam e por alguns segundos, pareciam esquecer suas realidades
e até mesmo se divertirem rindo de seres imaginários ou de histórias medonhas,
que contavam uns aos outros.
A maioria dos pacientes vestiam calças de moletom
largas para seus corpos, que quase sempre, eram ou magros demais ou gordos
demais, mas isso dependia do efeito do remédio que cada um tomava. As camisas
eram simples, quase sempre sem nenhuma estampa ou detalhe e os calçados
variavam entre chinelos de dedos e tênis, quase sempre sem cadarços. Os cortes
de cabelos eram, talvez, a única coisa que mostrava de modo ainda superficial
um pouco da personalidade de cada um, variavam entre cabelos raspados (mesmo
entre as mulheres) até moicanos, dreads e todo tipo de penteado que se possa
fazer em até vinte e cinco minutos.
Ao longe, da maioria dos pacientes, se encontrava um jovem que comia,
solitário. Era o tipo que não se espera encontrar num lugar como aquele, já que
visto de longe, por um olhar desatento, exalava saúde. O rapaz era
inegavelmente muito bonito. Possuía cabelos negros, ainda úmidos do banho, que
tomara ao acordar, caindo-lhe sobres os olhos. Estes por sua vez, de um azul
inacreditável. Possuía lábios finos e rosados. O rapaz trajava um grosso
moletom cinza, com toca e bolso estilo canguru, e era, talvez o único dali, a
usar calças jeans pretas e por fim um all star surrado.
Quase todos que estavam internados ali, sabiam o
porquê da estadia do jovem naquele lugar. Seria quase impossível não saber, já
que o rapaz apresentava um quadro de esquizofrenia, que vez ou outra, assustava
até mesmo os médicos que lhe acompanhavam durante o tratamento, e que só
aceitaram pegar o caso, em troca de muito dinheiro, considerando que a maioria
dos outros médicos apresentava grande relutância com relação a aceitar o
tratamento do garoto.
O rapaz vinha de família rica, e, portanto lhe eram
oferecidas certas regalias que aos outros pacientes era impossível de se
conseguir. Como, por exemplo, os médicos, ele era o único no lugar que possuía
uma equipe que trabalhava em um constante ritmo alucinante, tentando quase que
em vão, arrumar um coquetel de remédios capaz de amenizar os sintomas da
esquizofrenia que o garoto sofria, porém tudo o que conseguiram fora deixá-los
ainda mais intensos e perigosos, tanto para o garoto quanto para aqueles que
conviviam com ele.
Há pouco tempo, sua família passara por uma grande
perda. O Sr. Jonson estava esperando pela família do lado de fora do majestoso
teatro de Juliard, após uma das últimas apresentações de seu filho, que antes
de descobrir a esquizofrenia era o pianista prodígio da orquestra sinfônica de
seu estado, quando de repente , o pai fora assaltado por um grupo de bandidos,
que lhe apontaram a arma para a cabeça e sem piedade atiraram. Após conseguir
tomar posse de todo o dinheiro do homem, os bandidos fugiram e nunca foram
pegos, já o Sr. Jonson acabara morto e sua família desmoronada. Ao menos, fora
essa a história contada à imprensa e aos policiais. A verdade... Ah, essa está
bem longe de ser a verdade.
Alguns meses depois do incidente, o jovem Erik é
diagnosticado com esquizofrenia, após uma grave crise. Sua mãe, desesperada e
sem saber o que fazer, acabou internando-o naquele lugar terrível, achando que
era o melhor para ele, e que colocando um batalhão de médicos cuidando do caso,
seu filho voltaria a ser o garoto prodígio que sempre fora. Mal sabia ela que
tudo iria piorar.
Caroline |
Aquele era um dia de muita confusão e alvoroço no
hospital, pois chegavam alguns novos pacientes, a maioria vinha transferida de
outro hospital, que fechara após denúncias de experiências não aprovadas pelas
famílias e que iam contra todos os princípios éticos da medicina. Muitos dos
pacientes precisaram ser medicados com doses cavalares de calmantes. Entre os
novos pacientes, um se destacava, na verdade uma, Caroline, uma jovem cheia de
cortes espalhados pelo corpo, e que mesmo entre todos estes cortes ainda
possuía uma beleza única. Era uma adolescente de não mais de dezoito anos,
cabelos loiros, esbranquiçados, que iam até a cintura da jovem, seus olhos eram
cinzas e tristes, pareciam deixar a quem ousasse olhá-los por um longo período
de tempo, em uma tristeza profunda, capaz de fazer até a pessoa que mais a
odiasse, sentir piedade. Sua pele era tão branca que podia se comparar ao
brilho do luar, possuía certo ar angelical, porém carregava consigo um dom
natural de afugentar as pessoas que dela tentassem se aproximar.
Ela vivera grande parte da infância em um orfanato,
sempre tivera muitas crianças ao seu redor, mas sempre fora muito solitária,
evitava ao máximo o contato com outras crianças e com os adultos, sem exceção.
Seus pais morreram em um acidente de carro, quando ela tinha apenas três anos,
fora rejeitada pelas tias, e como não tinha ninguém mais, fora parar ali. Nunca
se queixara.
Por ter um comportamento anti-social fizeram-na
passar por mais psicólogos do que o aconselhável para uma criança de sua idade,
porém tratava-os com o mesmo descaso com que tratava todos com quem convivia.
Sua frieza era algo surpreendente, nunca chorava, nem quando chegavam casos de
crianças, já grandes, que perdiam os pais, nem quando suas tias, vez ou outra,
iam visitá-la e tratavam-na como lixo. Quando completara quinze anos, fora
adotada por um casal que, na verdade, parecia ser perfeito, o homem um executivo
famoso e a mulher uma exemplar dona de casa; não tinham outros filhos, a guarda
fora concedida mais fácil que o de costume. Em pouco tempo, Caroline passa a
morar com o casal. Os problemas começaram a aparecer, quando Caroline se
apaixonara por um garoto de sua escola. O homem, enlouquecido de ciúmes, muda-a de escola e a proíbe de ver o garoto.
Poucas semanas depois, o ciúmes obsessivo acaba sendo explicado, Caroline é
estrupada por ele. A mulher sabe de tudo, mas finge não ver nada. Caroline desamparada
e não tendo ninguém em quem confiar, já que suas tias agora só vão visitá-la em
busca do dinheiro, que sua família adotiva possui e o rapaz por quem se
apaixonara, agora estava interessado em outra garota, ela acaba não dizendo
nada a ninguém e sofrendo em silêncio.
Após vários outros estupros por parte do pai adotivo,
Caroline entra em uma depressão terrível, passa a se automutilar, e Henry
Miller (seu pai adotivo), desesperado, com medo de ser descoberto, manda-a para
o hospital psiquiátrico. A partir disso, Caroline se torna mais reclusa e
calada do que nunca.
Pouco tempo depois de ser internada, percebe que há algo errado naquele
lugar, durante o alvorecer ouvia gritos e gemidos que só podiam ser fruto de
uma dor insuportável. Mas não há o que fazer, não há para quem pedir socorro.
Por fim, acaba ficando naquele lugar por mais dois anos, até que as
experiências acabam sendo descobertas e os pacientes transferidos.
Caroline e os outros pacientes chegaram ao novo
hospital, no fim da tarde, ou seja, dali a trinta minutos seria servido um
lanche que antecederia o jantar. Não conhecendo ninguém do lugar, além é claro,
alguns que foram transferidos com ela, e nem tendo vontade de conhecer, vai
para o único lugar que poderia ser considerado um pouco menos desagradável, o
“jardim” do manicômio. Assim que sente o cheiro de ar puro e grama cortada, seu
humor quase sempre ríspido e grosseiro melhora instantaneamente, mesmo o céu
estando em um tom cinza tão profundo quanto seus olhos, ela decide ir sentar-se
embaixo de uma árvore velha que tinha as raízes tão grandes e grossas que saíam
do chão. Após sentar e abrir um livro, enquanto lia o seguinte trecho de um
poema:
"É tudo
tão doloroso
para mim, cada pincelada é
dor...
um erro e
todo o quadro é
arruinado...
você nunca vai entender a
dor ... " (Charles
Bukowski)
...Percebe um jovem olhando-lhe fixamente, deixando-a, repentinamente,
muito irritada. Sua irritação chega a um nível assustador ao ouvir um pigarro
baixo vindo do jovem, o que provavelmente antecederia a tentativa de uma
conversa. Bom, o jovem começaria a falar, mas não seria bem uma conversa.
Parabéns Meninas. Muito linda a história, estou ansiosa para ler o resto.. bjoss
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